quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
Eu e os Álbuns
terça-feira, 11 de outubro de 2011
sexta-feira, 2 de setembro de 2011
quarta-feira, 24 de agosto de 2011
Crítica do Jornal O Globo à Zélia Duncan
Zélia Duncan leva seu 'planeta' a Niterói em DVD que festeja os 30 anos de sua carreira
Bernardo Araujo (bbaraujo@oglobo.com.br)
RIO - Hey! Uma levada dançante de guitarra e acordeom, num clima de baile cigano, meio Gogol Bordello, abre o DVD em que Zélia Duncan comemora seus 30 anos de idade, quer dizer, de carreira. Reforçada pelos sempre fofos John Ulhôa (guitarra) e Fernanda Takai (voz), a cantora niteroiense de sobrenome irlandês (emprestado da própria família) começa a festa, no Teatro Municipal de Niterói, com "Boas razões", sua versão de "De bonnes raisons", do francês Alex Beaupain, composta para a trilha do filme "Chansons d'amour", de 2007.
A salada russa de MPB-world music pode até não ser proposital, mas é a cara da cantora antes conhecida como Zélia Cristina, que ralou em bares de Brasília, de Niterói e até de Dubai por mais de uma década, até estourar com "Catedral" - versão de "Cathedral song", da britânica Tanita Tikaram, que, inevitável, fecha o DVD, na voz do povo orgulhoso da Cidade-Sorriso.
Mas as versões de Zélia não são só essas, as da música estrangeira, é claro. Uma ZD recente das mais interessantes é aquela que chafurda na moderna música paulista de Luiz Tatit, Chico César, Zeca Baleiro, Dante Ozzetti, Itamar Assumpção e outros. No show, que além de comemorar a efeméride é baseado no repertório do bom "Pelo sabor do gesto", de 2009, ela canta o humor melancólico de Tatit (em "Felicidade", um delicioso dilema de uma pessoa que não sabe por que está tão feliz); a poesia de Itamar e Alice Ruiz em "Duas namoradas"; o nonsense de Tom Zé e Moacyr de Albuquerque, em "Defeito 10: cedotardar", até desaguar na gloriosa "Borboleta", parceria dela com Marcelo Jeneci, Arnaldo Antunes e Alice Ruiz, uma ode à música - gravada ao vivo no DVD, com direito aos simpáticos vocais desafinados de Jeneci, e no estúdio na versão CD, com apenas Zélia se encarregando da voz.
Falando nisso, chega-se ao principal aspecto da bagunça toda, o musical: no auge aos 46 anos, Zélia sabe usar sua voz grave, de timbre facilmente reconhecível, de maneira a valorizar as melodias e interpretações, nunca parecendo querer tornar o meio mais importante do que a mensagem. Ela demonstra total conforto sozinha, com o violão ou o bandolim - que ilustra com cores vivas uma dupla de músicas de dupla Roberto-Erasmo, o lado B "I love you" - com direito a solo de trompete de boca - e o standard "Por isso eu corro demais".
Liderada pelo velho parceiro de Zélia Ézio Filho (baixo e direção musical), a banda, que tem ainda Webster Santos (guitarra, violão e outras cordas), Léo Brandão (teclado e acordeom) e Jadna Zimmermann (bateria, percussão e flauta), mostra versatilidade, transformando-se em outras sempre que necessário. No planeta Zélia Duncan isso acontece com muita frequência.
sábado, 23 de julho de 2011
O estilo da " Zélia Duncan " a Rainha da MPB
e figurino.
"Quando parei pra pensar de onde eu vim, me veio à cabeça aquele livrinho que atormenta um pouco nossa pré-adolescência, aquele com uma cegonha desenhada, ela tem um ar orgulhoso e carrega no bico uma trouxa gordinha. Logo abaixo se lê aquela pergunta fatal, em letras garrafais: DE ONDE VÊM OS BEBÊS? Acho que a cegonha que me trouxe, certamente reclamava do excesso de peso, pois éramos eu, um CD player e um violão." (Zélia Duncan)
Nascida em Niterói no dia 28 de outubro de 1964.
Em 1971, mudou para Brasília, onde passou os dezesseis anos seguintes.
Começou a cantar profissionalmente em 1981.
"Em outubro de 1991, desavisadamente, atendi a um telefonema que mudou minha vida para sempre. Alguém me chamava para cumprir um contrato de três meses nos Emirados árabes: O QUE??? EMIRADOS ÁRABES??? Duas semanas depois, em meio aos bombardeios pessoais que me atingiam, eu pousava no Oriente Médio. Da janela do avião só se via areia, areia, e eu me perguntava, será que os camelos apreciam boa música? Bem, os três meses viraram cinco, cinco meses de desafio e prazer absoluto de estar fora, na maioria das vezes, cantando para pessoas que não entendiam uma palavra do que eu dizia. Eram árabes, europeus, australianos, meu Deus, então essa gente existe mesmo? Foram meses fundamentais pra mim, como uma fase de crescimento, onde tudo é aproveitado." (Zélia Duncan)
domingo, 17 de julho de 2011
A Alegria É A Prova Dos Nove
Existem vários tipos de músicos e formas de lidar com a música, obviamente de acordo com o talento e as escolhas de cada um. Há compositores diversos que não tocam instrumentos, porém compõem de boca, como se diz, verdadeiros clássicos. Alguns se resolvem em caixinha de fósforo, o que também é uma arte.
Ciro Monteiro e Elton Medeiros não me deixam mentir. Que os cigarros desapareçam se for o caso, mas nunca essa chama em pacotinho, promessa de suingue tão brasileiro!
Há os compositores-mestres, que dominam com singularidade seus instrumentos, como por exemplo, João Bosco, Ivan Lins, Chico Buarque, Joyce, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Djavan, Milton Nascimento, Luiz Tatit. Alguns da minha geração, Chico Cesar, Lenine, Moska, Pedro Luis, Zeca Baleiro. Há os compositores-maestros, como Tom Jobim, Radamés Gnatalli, Francis Hime, Edu Lobo. Os dois últimos foram recentemente convidados da OSESP, orquestra paulista , a mais importante da América Latina, para orquestrarem peças próprias, executadas por cordas, madeiras, metais, coro e tudo mais que se espera de uma grande orquestra.Há ainda os autodidatas geniais como Itamar Assumpção ou os sábios irreverentes, como Tom Zé e Jorge Mautner.
A gente sempre esbarra, em algum momento da vida, com aquela antológica foto de Pixinguinha na cadeira de balanço. É muito bonito constatar a relação de um grande músico com seu instrumento. O saxofone é como uma extensão de suas mãos, um link de harmonia com o céu que ele contempla ali. A visão da completude.
Quando ainda morava em Brasília, fui assistir ao Hermeto Pascoal. Reza a lenda (olha ela aí!) que, antes do show, vez em quando, ele invade seu próprio palco e “rouba” as partituras dos músicos . Foi um show que me marcou pra sempre, pois além de vê-lo tocando não só os convencionais instrumentos, tocou chaleira. Isso mesmo, chaleira, aquela que esquenta água pro café. Ao final, foi saindo do palco, em fila indiana com sua banda que, seguida por toda plateia, deu a volta no teatro pelo lado de fora. Nós todos fomos seguindo aquela literal mistura de flautista de Hamelin com Papai Noel, sem questionar, apenas constatando o quanto a vida pode ser surpreendente e alegre. Procurem assistir a um video dele com sua trupe, dentro dágua, soprando uns vidros. É de outro mundo. Hermeto diz que quando você não toca o instrumento, ele te abandona…
Outro mago impressionante é o amado percussionista Naná Vasconcelos. Naná viveu durante muitos anos fora do Brasil, tocou com grandes nomes internacionais. Hoje mora em Olinda, comanda a abertura do carnaval de Recife, entre muitas outras coisas. Naná é envolvido com as nações de maracatu, coisa séria e profunda. Tem vários álbuns gravados e o dom de hipnotizar a platéia e fazê-la cantar sons da natureza. Uma coisa de louco, uma epifania coletiva. Certa feita, num ensaio, ele começou a olhar pro teto e perguntar: “hã?” Todo mundo fez silêncio e ele continuava, “hã? O que? Ah, o suingue? Calma, já tá chegando!” e caiu na gargalhada! E ainda sabe cozinhar esse Naná! Ora, ora, Deus às vezes não é justo!
Mas creio que o primeiro a quem assisti ao vivo foi Egberto Gismonti, que lançou álbuns antológicos pela lendária gravadora ECM. No show, anos 80, ele trazia a novidade de um sintetizador no palco, o tal do OBXA. Tudo parecia vir de outro planeta. Recomendo um álbum em especial, onde ele toca apenas violão, se não me engano, chamado Solo. Não, não, tem o Água e Vinho, ou melhor, um que se chama Palhaço, não, nada disso, fechem os olhos, escolham qualquer um, a viagem é certa.
Tive o privilégio de ver Raphael Rabello e seu sete cordas ao vivo, o que também era uma experiência à parte. O cara tinha um coração em cada mão e uma técnica absurda. E ainda uma característica muito interessante: adorava acompanhar eventualmente uma voz, coisa que não é comum entre vistuosos. Fã incondicional da diva Elizeth Cardoso, gravou com ela - quando ele já era uma grande estrela de seu instrumento -, um álbum vigoroso, apaixonado e não à toa intitulado Todo Sentimento. Ouça e se chorar, saiba que não foi o primeiro e nem será o último.
Tudo isso veio à tona em minha memória porque fui convidada para um “pequeno” sarau, onde Hamilton de Holanda e Yamandu Costa tocariam um arranjo especial de Noel Rosa, para um pequeno grupo de pessoas amigas.
Pra falar de Hamilton e sua obra, que já é vasta, precisaria de um post só pra isso. Assim como Yamandu, esse gaúcho arretado, que já tem estrada e reconhecimento de sobra por aí. Mas os dois juntos causam uma terceira sensação que ficou marcada em quem esteve presente. Eles nos “enganaram”, dizendo, “vamos ensaiar primeiro”! Digo enganaram, porque tudo ali soa encontro, tudo parece certo, até os descaminhos e atalhos. Um olhar aqui, uma franzida de testa ali, uma risada que só eles entendem e lá vem a melodia de Noel, descendo a ladeira, pra subir de novo logo ali. E são desempenhos tão elevados, que tudo parece muito fácil. Parecia que, se eles parassem, a música prosseguiria. E de repente a rainha Alcione, que já tinha cantado e calado tudo que é passarinho, desvenda: “vocês parecem duas crianças!”. Bingo! Alegria de criança! É exatamente isso. O segredo desses dois caras ali, fazendo misérias… e sorrindo, como quem solta uma pipa, ou anda num carrinho de rolimã, cujo freio existe, mas ninguém aciona. Improvisar é meio isso. O freio improvável.
Tive o privilégio de gravar e viajar com Hamilton. Ele foi o único músico até hoje que olhava pra mim, no meio da canção, nós dois marejados de música, enquanto seus dedos não largavam das dez cordas de seu bandolim e sussurrava:” tá lindo!”.
quinta-feira, 28 de abril de 2011
Música Para Se Ter
Passava horas olhando o encarte de Clube De Esquina 2, de Milton Nascimento. Era um envelope duro. De um lado, as maravilhosas letras e tudo mais; do outro, apenas fotos, milhares, uma grudada na outra, sem legenda. Ali estava impresso o delírio que parecia ter sido aquela gravação. Como não havia internet, era na raça que eu tentava decifrar quem era quem. O clima de estúdio me fascinava num grau absurdo e eu sonhava, sonhava em poder um dia entrar nesse ambiente e viver, com toda minha vontade, o que eu desejava ser na vida. Gravar era um dos objetivos máximos para uma artista como eu. Cantar por aí, aprender, descobrir como chegar ao primeiro disco, o mistério delirante da vida que começava.
Bem, as coisas mudaram muito, inclusive e principalmente nesse sentimento do primeiro trabalho. Ficou tão fácil e banal gravar, que eu saio pra cantar e volto com a mala mais pesada, de tantos CDs que vão me entregando, como se entregassem panfletos no meio da rua. Claro que, por um lado, é bom que as pessoas tenham acesso aos seus sonhos e possam realizá-los sem muito sofrimento. Porém, não é só a qualidade que sofre, mas também a disposição para ouvir. Atualmente, parece mais possível e interessante gravar do que cantar bem, por exemplo. Mas nem era disso que eu ia falar hoje, depois voltamos a esse assunto com mais vagar, pois o barato é complexo e sinistro! E passa pelo sinal dos tempos em que ficar famoso virou uma profissão. Voltemos ao ‘objeto’ música!
É que há uns dias eu comprei o álbum novo de kd lang, de uma forma tão fácil que me fez lembrar esse velho e obsoleto hábito de adquirir música. Fiz isso através do iTunes, apertando uns dois ou três botõezinhos do meu computador e tudo apareceu na minha tela, puf! Por pouco mais de treze dólares. Com encarte virtual e tudo. Não vou mentir, já confessei minha antiguidade, prefiro MIL vezes o CD na mão, o cheiro do papel, a degustação tátil, mas fiquei aliviada de ainda poder consumir música, mesmo assim. Tenho comprado música dessa maneira já faz um tempo, pelo menos os álbuns internacionais, pois já não existem no Rio lojas que tenham catálogos bacanas. No fim do ano passado, perdemos um espaço que era primordial, chamado Modern Sound, foi um golpe fatal.
Mas eu consigo comprar assim porque uso o cartão americano de um amigo que mora no Texas, pois cartões brasileiros não são aceitos, o que é triste pra quem gosta, precisa e adoraria poder comprar. Por motivos editoriais e, segundo me disseram, inadimplência, o iTunes não abriu para o Brasil, o que reforça também tudo o que está acontecendo com o consumidor de música e sua maneira de se comportar na hora de adquiri-la, ou não. No iTunes você pode comprar por canção, que custa entre 0,99 e 1,29 dólares. Você está, por exemplo, na rua, escuta uma música, identifica, vai ao iTunes, compra por noventa e nove centavos e aquilo vai direto pra sua ‘discoteca’ virtual. É fácil, prático, útil e bom pra todo mundo. Existem alguns sites de música virtual no Brasil. Eles têm que ser muito mais divulgados e precisam também facilitar cada vez mais a forma de o consumidor comprar e se divertir fazendo isso, o que me parece primordial. Nunca vai ser como o prazer de, com as mãos, fuçar as prateleiras, puxar algo surpreendente, levar pra casa, abrir, degustar como fazíamos. Mas que novas alegrias venham, de acordo com o que for possível e conveniente pra eses tempos.
Gosto não se discute, embora a tentação seja grande. Já não existe a possibilidade de passear numa loja de discos, a menos que se queira comprar os lançamentos, ainda assim muito específicos. Por isso, é fundamental que haja cada vez mais no Brasil uma forma convidativa de se realizar a façanha de comprar música on-line, ao menos para quem acha que comprar música é importante não só pra si mesmo, mas também pra quem vive disso.
Fonte do Texto: AQUI!
terça-feira, 12 de abril de 2011
Zélia Duncan lança disco e fala sobre sua polêmica participação nos Mutantes
Na verdade, três anos e meio separam os dois papos mais formais que tive com Zélia. Na primeira vez, a artista fluminense me contou toda sua vida pelo telefone. Estávamos os dois em São Paulo. Eu na redação, ela na casa da cantora Cyda Moreira. Enquanto pensava em reeditar o disco de Cyda cantando Brecht pelo seu selo Duncan Discos, cuidava do lançamento do DVD de seu último CD, Pré-Pós-Tudo-Bossa-Band, fazia shows com Simone e se preparava para uma me gaturnê com Os Mutantes. O segundo foi cara a cara, há poucas semanas, no Parque Lage, Jardim Botânico, Rio de Janeiro. Zélia estava lançando seu novo disco, Pelo Sabor do Gesto, o nono de uma carreira cheia de saltos e achados. No final de 2006, batizei meu texto, nunca publicado - Um perfil no meio do meu maremoto -, certamente influenciado por algo que ela disse.
Na semana passada, rememorando esse período, Zélia concordou: "É, o bicho estava pegando". Entre outras coisas, tinha a Simone, que conheceu ao produzir junto com a Bia Paes Leme o disco Timoneiro, com a obra de Hermínio Bello de Carvalho, e de quem ficou amiga, o que rendeu (mais) uma versão para a música de Damian Rice, "Blower's Daughter", do filme Closer, DVD, show, excursão por dez cidades do Brasil e encerrada no início de 2009, em Portugal. Havia ainda a turnê de Pré-Pós-Tudo, DVD e tal, que só terminou em fevereiro deste ano também, com uma despedida no Clube Pinheiros de São Paulo - os shows que realizou enquanto produzia o disco atual ela chama de "Bailão da ZD", com um repertório totalmente híbrido. Para completar, como se não bastasse a participação de Zélia nos Mutantes, o selo Duncan Discos soltava Alzira E., o novo CD da Espíndola mais bluesy. Ou seja, era só abrir o jornal, ligar a televisão, acessar a net que Zélia estava lá. Na época, houve quem dissesse que ela estava se "expondo demais".
Ela própria avalia: "Eu não acho que exagerei não, foi como eu quis, queria passar por isso. Era um risco tão grande que até acredito que saí ilesa. No sentido artístico foi ótimo para mim. Claro que tinha gente que queria me matar porque entrei nos Mutantes, mas sempre tem gente querendo matar outras por algum motivo. Eu tive momentos de extrema alegria com os Mutantes. O show de Londres foi maravilhoso, o show de São Paulo no Monumento do Ipiranga foi histórico, teve um em Porto Alegre que foi uma loucura, fizemos ainda um show em San Francisco, incrível. Então, eu tive a oportunidade de estar no palco com aqueles caras, e vivendo o rock'n'roll já com uma carreira solo, um privilégio para mim. Mas tinha de ter saído mesmo na hora que eu saí. Se eu tinha que ter entrado? Ah, tinha. Em relação a mim mesma, sim. E para a banda foi muito importante ali naquele momento. Eles precisavam de alguém, e algumas pessoas não tinham dado certo. E quando Sérgio me conheceu, foi fulminante. Entrei numas, liguei para a Rita, ela deu força, e falei, 'cara, vou viver isso, dane-se'. Mas a segunda turnê para a Europa foi heavy. Se não fosse, eu continuaria mais um pouco só. Eu não precisava ter saído de repente. Mas eu sou uma mulher de 44 anos. Chegar, por exemplo, no aeroporto de Lisboa, não ter nenhum carregador e 50 volumes para todo mundo carregar. Desculpa, não vou fazer. Não vou, mentira, porque na hora eu fiz. Eu gosto de rock'n'roll, mas da música."
Para Zélia, Pelo Sabor do Gesto, é o mais pop de todos. Se em Pré-Pós atirava para todos os lados, rock, MPB, pop; no CD atual prevalece a estética inteligente e sofisticada e, digamos, objetiva dos produtores. Principalmente John que seria o responsável por poucas faixas acabando por dividir com Beto, 7 a 7. Além de seus contemporâneos, Chico César, Zeca Baleiro, Paulinho Moska e Edu Tedeschi, Zélia mais uma vez homenageou ídolos como Rita Lee e Itamar Assumpção - "Duas Namoradas" tem letra de Alice Ruiz - garimpou o gaúcho Nei Lisboa e um sucesso de Evinha do Trio Esperança - "Os dentes brancos do mundo", dos irmãos Valle, Marcos e Paulo Sérgio -, e deu um espaço para os novos. Dante Ozzetti, o irmão mais talentoso de Ná, e o tecladista Marcelo Jeneci que entrou aos 45 minutos do segundo tempo. O show estreou na cidade natal de Zélia Duncan, Niterói, uma fluminense que surgiu em Brasília, mora no Rio e lança disco produzido por um paulista e um mineiro. "Eu sou a ponte", define ela, toda suave.
Fonte da Matéria: http://musicadobrasil.blogs.sapo.pt/
sábado, 2 de abril de 2011
Reza a Lenda, Amém
Gilberto Gil tem uma linda composição chamada “Oriente” no antológico álbum Expresso 2222“Se oriente, rapaz, pela constatação de que a aranha vive do que tece.” É uma maneira de exigir uma posição, mostrar a necessidade de assinar o nome em algo que pudesse ser relevante, diferente ou pelo menos corajoso. Principalmente em tempos de ditadura militar e corações endurecidos. (1972, ano que Gil voltava do exílio em Londres). Dona de um jogo de palavras interessantíssimo, a canção trata de uma questão super recorrente para os jovens da época, candidatos a intelectuais-pensadores, apaixonados pela esquerda e por uma revolução interna e externa. Na letra, um Gil desafiador aparece, cutuca, pergunta , provoca com a letra
Na gravação, o sofisticado violão de Gil chega sombrio como a canção e insinua uma melodia oriental. A voz grudada nos ecos do instrumento faz uma introdução que já intriga logo de cara, mas também convida. Gil, aliás, impressiona por ser um artista que soma as qualidades de um virtuoso no seu instrumento com a criatividade de compositor. Fez (e faz) escola tanto com suas harmonias e belos caminhos melódicos quanto com sua maneira de tocar e cantar. Sem falar na modernidade e poesia de suas letras.
No ano seguinte, Elis Regina gravou “Oriente” com um arranjo repleto de instrumentos. Era algo arrojado pra época e ainda hoje soa assim. O arranjo acentua ritmicamente a melodia e soa bem diferente. Vai ficando grandioso, épico, mesmo porque é preciso abrigar a voz indomável e emocionada da intérprete singular que ela sempre foi. O andamento vai crescendo e termina com um jeito meio sinfônico e igualmente provocador, como pedem o tema e o momento. Elis opta por não repetir a letra, canta uma vez só. É muito significativa, historicamente falando, a escolha dessa canção como abre-alas do seu LP "Elis", de 1973.
Porém, numa audição um pouco mais cuidadosa, percebemos que Elis se distrai numa palavra que altera o sentido e a gravidade original. Ela tropeça: ”Pela constatação de que a aranha DUVIDO que tece”. Eu fico aqui pensando...
Hoje quase todos os compositores mandam suas músicas em formato MP3, com as letras devidamente digitadas. Como será que Elis recebeu “Oriente”? Em que som ela teria ouvido para se confundir na hora de registrar? O K7 falhou? O LP estava arranhado? Ou a pessoa encarregada de tirar a letra negligenciou o serviço? “Dizem” que Gil não gostou muito da troca (o que é compreensível) e eles teriam ficado um tanto abalados um como outro.
Mas a natureza encontra sua maneira de ajeitar as coisas quando os propósitos são verdadeiros, creio eu. Então, já em tempos de paz e, certamente, imensa admiração mútua, Elis entra em estúdio em 1974 para gravar um álbum impecável contendo dois petardos do baiano Gil. “Amor até O Fim”, samba/choro sincopado cuja letra mostra que Gil emanava leveza pra sua cantora, “amor não tem que se acabar, até o fim da minha vida eu vou te amar”.
Não à toa, Elis encerra o álbum com a delicada bula ,“O Compositor Me Disse”, que tem um jeito de reconciliação com a criação e com a anatomia do canto. Me emociono só de pensar em Elis e sua incomensurável voz dizendo cuidadosamente o que foi feito pra ela .“O compositor me disse que eu cantasse ligada no vento, sem ligar pras coisas que ele quis dizer”. Gil traz a alforria nas mãos, a liberdade para a voz, agarrada no vento. E Elis voou.
Obs - E um beijo pro meu irmão mais velho, que ouvia Gil cantando isso sem parar na vitrola, se formou em Sociologia e foi dar aulas na Dinamarca.
Como disse, pode não ser verdade nada disso. Mas é lindo.
Oriente
Gilberto Gil
Se oriente, rapaz
Pela constelação do Cruzeiro do Sul
Se oriente, rapaz
Pela constatação de que a aranha vive do que tece
Vê se não se esquece
Pela simples razão de que tudo merece consideração
Considere, rapaz a possibilidade de ir pro Japão
Num cargueiro do Lloyd lavando o porão
Pela curiosidade de ver onde o sol se esconde, vê se compreende
Pela simples razão de que tudo depende de determinação
Determine, rapaz onde vai ser seu curso de pós-graduação
Se oriente, rapaz pela rotação da Terra em torno do Sol
Sorridente, rapaz pela continuidade do sonho de Adão
O Compositor Me Disse
Composição: Gilberto Gil
Intérprete: Elis Regina
Compositor me disse que eu cantasse distraidamente essa canção
Que eu cantasse como se o vento soprasse pela boca vindo do pulmão
E que eu ficasse ao lado pra escutar o vento jogando as palavras pelo ar
O compositor me disse que eu cantasse ligada no vento Sem ligar pras coisas que ele quis dizer
Que eu não pensasse em mim nem em você que eu cantasse distraidamente
Como bate o coração
E que eu parasse aqui, assim…
segunda-feira, 7 de março de 2011
Carne e Osso - Zélia Duncan e Toni Platão
Composição: Humberto Effe / Luiz Gustavo / Caíca / Abílio Azumbuj
Você é minha cadeia, enjaulado fico preso no seu corpo
Você me caça em suas teias como seu escravo,
Selvagem não me canso
Pra que fugir, me entregar, me entregar é a única saída
Como seu escravo me perdi na sua selva
Meu coração Meu coração
Preso nessa cela abre as pernas da sua paixão
Meu coração Meu coração
Preso nessa cela abre as pernas da sua paixão
O mundo anda mal, mas sou eu que não presto
Sou resto de um idéia, de uma outra rebeldia
O povo dessa cela se balança de alegria
Vejo a tristeza se encharcar de euforia
Bamba balança balança suas rédeas
Querem o meu leite e o suor das minhas tetas
Você me encontrou e fechou todas as portas
Bebe do meu leite e do suor das minhas tetas
Meu coração Meu coração
Preso nessa cela abre as pernas da sua paixão
Meu coração Meu coração
Preso nessa cela abre as pernas da sua paixão
Enquanto feras estão soltas, você me tortura a cada carência
A cada violento arranhão
Se pensa que isso é paixão, esqueça...
Certas coisas não se sentem só no coração
Será que alguém entende o meu amor?
Você deve compreender o meu estranho jeito de ser demente
Escravo do seu corpo
Ou então achar esse o meu maior defeito...
domingo, 6 de março de 2011
Zélia Duncan Homenageada
Olá!
Hoje trago uma publicação muito bacana sobre ZD em um blog delicioso sobre cantoras brasileiras, o Cantoras de Rádio. Aproveito para, além de indicar a visita, também agradecer a citação sobre o Zélia Duncan Eu Não Sou Eu... Obrigado!
Melhor disco, pra mim: "Eu me transformo em outras", 2004. Pode ser que não seja o melhor, mas é o que mais fulgura, a meu ver. Nesse disco, Zélia regravou aquelas canções antiiiiiiiigas que, segundo ela, foram suas influências. Ali, pode-se ouvir "A deusa da minha rua", "Jura secreta", "Sábado em Copacabana", "Dream, a little dream of me", etc. Muito bom! E o que nos impressiona é como uma cantora que só irradiava o pop/rock até então conseguiu se sair tão bem cantando essas músicas.
Site oficial: http://www2.uol.com.br/zeliaduncan/
sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011
Nova Ilusão
Nova ilusão
É dos teus olhos a luz
Que ilumina e conduz
Minha nova ilusão
É nos teus olhos que eu vejo
O amor, o desejo do meu coração
És um poema na terra
Uma estrela no céu, um tesouro no mar
És tanta felicidade
Que nem a metade consigo exaltar
Se um beija-flor descobrisse
A doçura e a meiguice
Que teus lábios têm
Jamais roçaria as asas brejeiras
Por entre roseiras em jardins de ninguém
Oh, dona dos sonhos
Ilusão concebida
Surpresa que a vida
Me fez das mulheres
Há em meu coração
Uma flor em botão
Que abrirá se quiseres
Nos Lençóis Desse Reggae
Flash e viagem
Vontade de cantar um reggae
Dono do impulso
Que empurra o coração
E o coração prá vida...
E a vida é de morte
Minha única sorte
Eh! Eh!
Seria de ter esse reggae
Vontade de fazê-lo
No meio da fumaça verde...
Não me negue, só me reggae
Só me toque quando eu pedir
Senão pode, ferir o dia
Todo cinza
Que eu trouxe prá nós dois...
Nos lençóis desse reggae
Passagem prá Marrakesh
Dono do impulso que empurra
O coração e o coração
Prá vida...
Não me negue, só me reggae
Só me toque quando eu pedir
Senão pode, ferir o dia
Todo cinza
Que eu trouxe prá nós dois...
Flash e viagem
Vontade de cantar um reggae
Êh! Êh! Êh!
Dono do impulso
Que empurra o coração
E o coração prá vida...
Não me negue, só me reggae
Só me toque quando eu pedir
Senão pode, ferir o dia
Todo cinza
Que eu trouxe prá nós dois...
Não me negue, só me reggae
Só me esfregue quando eu pedir
Eu peço sim!
Senão pode, ferir o dia
Todo cinza
Que eu trouxe prá nós dois
Nos lençóis desse reggae...
Oh! Oh! Yeah!
sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011
Gravação do Dvd Pelo Sabor do Gesto
Em 2011, Zélia Duncan comemora 30 anos de carreira e grava o DVD ao vivo do show "Pelo Sabor do Gesto". O disco foi lançado em 2009 com produção de John Ulhoa e Beto Villares. A direção do show é de Ana Beatriz Nogueira e o repertório, fiel ao do CD, traz também algumas outras surpresas, além de canções que marcaram a carreira da artista. A gravação do DVD será no Teatro Municipal de Niterói, local onde o show estreou.
Serviço:
» Dia 19 de março às 21h00
Show Pelo Sabor do Gesto
Teatro Municipal de Niterói
Rua 15 de Novembro, 35 – Centro
Niterói - RJ
obs: os ingressos serão vendidos na bilheteria do teatro e também pela ingresso.com
» Dia 20 de março às 15h e às 19h (serão duas sessões) Shows Pelo Sabor do Gesto (gravação do DVD) Teatro Municipal de Niterói Rua 15 de Novembro, 35 – Centro Niterói - RJ obs: os ingressos serão vendidos na bilheteria do teatro e também pela ingresso.com
quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011
San vicente - Zélia Duncan e Milton Nascimento
Composição: Miltons Nascimento / Fernando Brant
Coração americano
Acordei de um sonho estranho
Um gosto, vidro e corte
Um sabor de chocolate
No corpo e na cidade
Um sabor de vida e morte
Coração americano
Um sabor de vidro e corte
A espera na fila imensa
E o corpo negro se esqueceu
Estava em San Vicente
A cidade e suas luzes
Estava em San Vicente
As mulheres e os homens
Coração americano
Um sabor de vidro e corte
Unhnhnhnh...
As horas não se contavam
E o que era negro anoiteceu
Enquanto se esperava
Eu estava em San Vicente
Enquanto acontecia
Eu estava em San Vicente
Coração americano
Um sabor de vidro e corte
A Música Em Mim - Zélia Duncan e Fred Martins
Há música em mim
Quando acordo cedo
A música em mim
Finge não ter medo
Há música em mim
Quando dói o dente
A música em mim
Age normalmente
A música em mim
Tenta ser discreta
Há música em mim
Quando fico quieta
(quando fico)
Há música em mim
No congestionamento
A música em mim
Corre mais que o tempo
Trem bala na sala
Do meu apartamento
A música em mim
Refaz o dia
Me aplaude
Toda vez que eu sigo em frente
A música em mim
Parece um presente
quinta-feira, 13 de janeiro de 2011
Noite de Santo Amaro leva clima de Festa da Purificação à Concha Acústica do TCA
Antes do início dos shows, o público está convidado a se reunir no Campo Grande, às 17h, para descer em cortejo até o local do evento. A caminhada será puxada por baianas e embalada por uma filarmônica, além de contar com apresentações de maculelê, capoeira e samba de roda. Na descida, será realizada a lavagem da escadaria da Concha Acústica.
O evento contará também com a participação de Ulisses Castro, Márcio Valverde, Eduardo Alves, Livia Milenna, Marcel Fiúza e Belpa, que tocarão com uma banda formada inteiramente por santamarenses. Freddy Ribeiro e Caco Monteiro realizarão números de teatro com literatura e poesia.
A Noite de Santo Amaro tem direção artística de J. Veloso e produção de Maurício Pessoa, ambos nascidos em Santo Amaro. O evento surgiu no final da década de 90, sempre com parte do cachê doado à Dona Canô, presidente de honra do Novenário da Purificação, destinado a custear a Novena da Purificação de Santo Amaro.
Segundo J. Veloso, que vai comemorar seus 50 anos de idade na festa, o evento é uma maratona de música e mistura de estilos. “Também é uma forma de ajudar minha avó, Dona Canô, que organiza, contribui e aglutina pessoas para que a Festa da Purificação se realize, maravilhosa do jeito que é hoje”, diz.
No evento, serão servidas comidas típicas de Santo Amaro, como maniçoba, caldo de garangundé, efó e moqueca de carne do sertão. Para completar o clima do interior, o público será presenteado com algodão doce, pipoca e maçã do amor.
Os primeiros mil ingressos serão vendidos com valor promocional de R$ 50 inteira e R$ 25 meia. Os demais custarão R$ 60 inteira e R$ 30 meia. As entradas podem ser compradas na bilheteria do TCA.
| Serviço |
Noite de Santo Amaro
Onde: Concha Acústica do TCA, Campo Grande
Quando: Dia 16 de janeiro, às 18h
Quanto: Os primeiros mil ingressos custarão R$ 50 (inteira), os demais serão no valor de R$ 60 (inteira)
Mais informações: (71) 3117-4899
"Frio Ártico no Estômago"
Zélia Duncan faz show único hoje no Metropolitan e conta como preparativos, preocupações e cuidados que toma na véspera e no dia de um espetáculo:
Dia de cantar não é dia comum. A gente disfarça: levanta, escova os dentes, aumenta o telefone, toma café, abre o jornal como se não estivesse procurando uma matéria específica, brinca com o cachorro. Mas existe algo à espreita, uma vigília muito anterior ao momento em que o próprio público estará esperando o início da apresentação.
O famoso frio no estômago, embora banhado de chá, permanece intacto, ártico e companheiro inseparável daquele dia comprido. A bem da verdade, a véspera já traz sintomas perturbadores, porque exerço sobre mim uma tortura que consiste em olhar o relógio e pensar: "amanhã, a essa hora, estarei indo para o teatro". E prossigo esbarrando no tempo: "amanhã, a essa hora, estarei pisando no palco...com o pé direito, claro". Até que, já na cama, lanço a última frase para meu monólogo interno: "amanhã, a essa hora, seja como for, o show já aconteceu". E durmo, quase sem querer.
Cantor é um bicho estranho, cada um tem várias manias e reações, digamos assim, bizarras. Conheci um cara em Brasília cujo pânico era tanto no dia de cantar que ele simplesmente começava a rir, já no camarim. O repertório era pesado, daí quando rolava uma daquelas canções mais introspectivas, falando das angústias infinitas da vida, ele ainda assim ostentava aquele sorrisão escancarado. Quando comecei a cantar, entrei na paranóia terrível de achar que qualquer brisazinha, qualquer pingo de chuva ou grito de guerra, poderia modificar minha voz para sempre. Dormia com um casaquinho pendurado na guarda da cama e a janela fechada, obviamente. Se chegasse na cozinha e a geladeira estivesse aberta, me enchia de pavor e implorava: "fecha isso , pelo amor de Deus!!" Ganhei naquela época o merecido apelido de Florzinha de Estufa. Claro que isso acontecia quando eu era menina, um pouco mais desinformada. Hoje, do alto dos meus 34 anos, sei que não sou tão frágil assim...mas as janelas continuam fechadas durante a noite e, embora torça muito para o meu país, no clímax da festa, dou um pulo, levanto os punhos fechados e digo só pra mim, "que bom, gol do Brasil".
Fui então fazer aulas de canto. Minha professora era maravilhosa, D. Eny Camargo, tudo que se esperava de uma "lírica". Corpulenta, sempre maquiada, sempre internacional, já havia cantado até na Rússia e, claro, adorava dizer os nomes das óperas e de seus autores em alto e bom som. Falo aqui num tom de brincadeira, mas ela, além de uma linda voz, me ajudou muitíssimo a pensar em respiração, registro vocal e relaxamento, para que a voz encontre seu caminho livre na hora de ecoar. Porém, numa noite, quando ela me levava ao portão após a aula, um cachorro todo preto surgiu e abocanhou ferozmente minha perna. Eu, chiquérrima, não quis constranger minha mestra e fingi que "não tinha sido nada". Fui embora uivando de dor, rolou anti-tetânica, curativo e tudo. Fico pensando se aquele cãozinho não estava querendo me avisar que eu ainda ia sentir na pele a responsabilidade não só de cantar, mas de ser chamada de "artista" e de ter o que dizer com isso. Caramba, aquilo doeu. (quando vim para o Rio, tive aulas com Pepê Castro Neves e Maria Lucia Valadão, ambos imprescindíveis)
Depois de muitas aflições, chás, méis, gengibres cristalizados ou não, gargarejos milagrosos, leite com açúcar queimado, preparado por minha avó, pastilhas de todas as cores e nacionalidades, fórmulas e simpatias, inventaram uma maneira de filmar as cordas vocais. FINALMENTE! A voz, objeto de aflição de toda uma vida, instrumento até então invisível, que nunca pude pegar, polir, plugar no afinador ou mandar para uma revisão, poderia ser registrada ao vivo e a cores numa fita de video só pra mim. Ufa... Minha carta de alforria, ou melhor, minha hora de ir à forra. Quando a fita me foi entregue fiquei olhando aquelas duas cortininhas claras, ("adoro cortinas que se abrem"), bem menores do que eu imaginava, embora não tivessem aquele jeito desprotegido que construí na minha imaginação. Pensei em todos os sonhos que depositei naquele pedaço tão pequeno do meu corpo e, como se um raio tivesse caído em cima de mim, percebi que não podia cantar só com as cordas: se minha saúde, minha cabeça e meu coração não estiverem razoavelmente equilibrados, não são elas, pobrezinhas, que vão arcar com tudo sozinhas.
Todo tipo de coisa pode acontecer num show. No dia do apagão, em março, era minha estréia em São Paulo. Por ironia do destino, eu cantava Sentidos, minha e do Christiaan Oyens: "não quero seus olhares/ quero seus cílios nos meus olhos/ piscando pra mim". Piscou e não voltou mais. Palco é assim, arriscado. O coração dá saltos mortais no peito, a palma da mão fica suando e quando você pensa que já passou pelo primeiro momento mais difícil, tudo ainda pode acontecer. Adoro essa montanha russa, você se apavora, mas depois o prazer é tão grande que você acha pouco e corre para a fila de novo. Acho que, por isso, não gosto de ver o palco sendo desmontado, me lembra que o show já acabou.
Hoje, antes de cantar, vou me maquiar, me aquecer nos exercícios de fonoaudiologia com Angela de Castro, com quem aprendi a proteger meu instrumento invisível, meu técnico vem me ajudar com os retornos de ouvido, gosto de ver os músicos antes do início do show. As luzes vão começar a se apagar, vou tomar um gole d’água, embora a boca vá continuar seca, darei um suspiro profundo e esquecerei todos esses preparativos, pois, neste caso, o melhor da festa é a festa mesmo!!
Zélia Duncan
Especial para o JB
Porta de Luz
Letra - Zé Ramalho
Música - Dominguinhos
Essa mania de saber
Como é bom
Quando estou perto de você
Parece o mundo
Que acabou de começar
Num movimento
De paixão e de silêncio
De onde foi
Que essa estrela apareceu
Que oceano ou que céu iluminou
A minha estrada tão comprida
Vai chegar ao seu final
Quando abraçar você
Só agora compreendi
Que o caminho que escolhi
Veio dar na sua porta de luz
Tudo agora está tão fácil
E seguro para nós
Minha voz está bem dentro da sua
Se for buscar
Aquele sonho
Eu vou
Para provar
Que amo só você.