Em outubro de 1975 eu pedi um disco de aniversário, o primeiro que seria finalmente só pra mim, pois, numa casa de classe média, onde os filhos são quatro, há uma fase em que fica difícil de se delimitarem territórios e pertences. Ele me foi entregue num papel azul, lindo, aquele quadradão fininho, com o peso ideal, verdadeiro passaporte da imaginação, O PRIMEIRO VINIL A GENTE NUNCA ESQUECE!! Rasguei o papel sem piedade, como faço até hoje, e lá estava ela, plácida, num vestido claro de caimentos vários, sentada numa poltrona, cigarrilha na mão direita, sandália amarrada na perna e o pé pousado sobre um teclado, com aquele olhar de flecha certeira, que já conhece bem seu alvo. Pra quem ainda não decifrou, estamos falando de Rita Lee&Tutti Frutti e do disco "Fruto Pribido". Acho que foi a primeira vez em que pensei que existia um tempo em que eu vivia e na necessidade de se ter uma opinião sobre as coisas.
Esse meu tempo foi passando e Rita Lee foi significando pra mim uma marca indelével de liberdade, irreverência, musicalidade, rebeldia, sinceridade e inteligência. Tudo ligado por um humor tão absolutamente identificado com nosso cotidiano, que a transformou, a meu ver, numa das artistas mais brasileiras do nosso tempo. Tenho lembranças vitais de vê-la com João Gilberto, por exemplo, cantando Jou Jou Balangandãs, prenúncio de um projeto futuro, chamado "Bossa'n roll", que arrebatou o Brasil. Com Caetano, cantando "Mamãe Natureza num estádio lotado. "Refestança" com Gilberto Gil. Dançando "Baila Comigo" com Ronaldo Resedá. "Minha fama de mau " com Erasmo Carlos. Brincando com Elis em "Doce de pimenta", esfregando sua alegria e sua música na amargura daqueles anos complicados. "Domingo no parque", Rita Lee pra sempre.
Para os super jovens, que já amam Rita Lee e não sabem ao certo onde tudo começou, ela estava ali com "Os Mutantes", por perto de Gil e quando a Tropicália enfiou o pé na porta, ela também passou lindamente, pra fazer o dela. Única. Uma espécie de Chiquinha Gonzaga do rock, com seu poderoso "abre-alas" a serviço do pop falado na nossa melhor língua afiada.
Feito este pequeno resumo, talvez alguém consiga imaginar como me senti ao ser convidada para dar uma "canja" com ela no Metropolitan, próximo sábado (19)... Primeiro fiz aquele silêncio, depois fiquei rodando pela casa, cantando "não sei se eu estou pirando ou se as coisas estão melhorando". Minha secretária eletrônica , depois de registrar aquela voz de Rita Lee, foi promovida a diretora artística eletrônica da minha casa e por favor, esta semana, me poupem. Não quero saber de notícias estranhas, pressões ou maledicências. Nada que estrague minha alegria, porque sábado tem Rita Lee e aquele momento vai ficar armazenado no compartimento dos "best-ofs" da minha estória pessoal. Parece mentira, mas já morro de saudade do sábado que vem!
Zélia Duncan
(Texto publicado no JB - 18/12/98; o show se realizou no Metropolitan no dia19 de dezembro)
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